Quinta-feira, 13 de Novembro de 2008
O paço dos Arcebispos 3
O paço dos arcebispo 3- continuação
Voltando ao andar térreo, por uma porta lateral, à esquerda, vamos entrar no já falado Salão Medieval, onde, como dissemos, se fazem os actos Solenes da Universidade do Minho, actual proprietária do antigo paço e que, com esta posse, incluindo a rica biblioteca, se tornou, talvez, a mais rica universidade portuguesa.
Foi este salão restaurado e, podemos dizer, inteiramente remodelado, quando das obras realizadas na recuperação do paço nos princípios dos anos trinta do século que findou. O tecto, primorosamente decorado, deve-se ao artista bracarense Mendes, um dos irmãos dessa trindade de artistas de Braga. O piso, que é a parte superior do Salão Medieval, foi inteiramente substituído, desaparecendo a arcaria que o suportava, dado que o método de construção moderno não necessita desses apoios.
Na parede do fundo e do lado da entrada, onde se encontra instalado o taburno elevado em relação ao piso do sal, lugar que se utiliza para a mesa que preside às sessões solenes, conferências e outros actos, vê-se sob um baldaquino e colocada numa mísula uma lindíssima imagem policromada gótica da Virgem, imagem de origem italiana, de finíssimas linhas e datada, possivelmente, do século XV.
Por aqui vai o acesso ao Paço de Dom Gonçalo Pereira, que serve nos seus andares para arquivo de jornais não só publicados em Braga, mas também em outros pontos do País.
Serve também parte do Paço de Dom Gonçalo, e ainda o acrescento de Dom Fernando da Guerra, para guardar o arquivo das obras repetidas.
Tem servido o Salão Medieval, para ali se realizarem exposições, recepções, concertos e até bailes.
Uma porta envidraçada, de certa maneira de protecção a esta parte inferior do salão, dá acesso ao espaço do chamado jardim epigráfico do paço dos arcebispos, no qual se podem ver vários restos de demolidas construções monumentais da cidade.
Os arcos em ogiva que ali se encontram serviam, como dissemos, de suporte ao antigo pavimento superior do salão medieval. Espalhados por aquele chão, brasões de armas, grinaldas e anjos que pertenceram ao demolido Convento dos Remédios e casas senhoriais bracarenses.
Uma das mais antigas representações das armas de Braga, está ali colocada, arrumada a um canto, um pouco danificada. Apenas na cidade só há mais duas. Uma está colocada sobre o portão de entrada do ex-jardim infantil no Parque da Ponte, saída do antigo Mercado do Peixe – onde foi o quartel dos Bombeiros Municipais, no Campo do Salvador ( hoje praça do Comércio) – o segundo nos Claustros do Convento do Pópulo, recolhido do portão do antigo Matadouro, na rua deste nome.
Serve este jardim-lapidar para guardar a cruz que Dom Diogo de Sousa mandou colocar à saída da Porta de São Marcos, saída para a zona do Campo dos Remédios, porta também conhecida pela Porta de São João do Souto e até Porta Oriental.
Esta cruz, que deu origem à devoção de Santa Cruz, a qual por sua vez originou o Templo de Santa Cruz, foi colocada à saída de Braga para Lomar junto à ponte sobre o rio Este.
Quando do alargamento do acesso a esta freguesia e consequente construção de uma nova ponte, houve necessidade de retirar daquele local a cruz de São Marcos, por ser um estorvo ao necessário alargamento. Depois de várias sugestões como a de a encerrar num armazém depósito para o então futuro Museu, foi resolvido colocá-la naquele local e por ficou para sempre, como testemunho único que resta de todas as que Dom Diogo de Sousa mandou colocar às portas da cidade. É em tudo idêntica à colocada em São Jerónimo de Real, junto à igreja daquela freguesia (São Frutuoso).
Braga, 12 de Novembro de 2008
LUÍS COSTA
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O paço dos Arcebispos 2
Paço dos Arcebispos 2 – continuação
Como dissemos, parte do Paço de Dom José esteve em ruínas até princípios dos anos trinta do século XX. Como as instalações da Biblioteca Pública então instalada no edifício do antigo Convento dos Oratorianos (Congregados) se estavam a tornar exíguas dado o constante aumento do seu espólio, principalmente desde que passou a ser uma das que passaram a ser de depósito obrigatório de todas as publicações em português, tornou-se necessário pensar-se em novas instalações. Eram então director da Biblioteca o Dr. Alberto Feio e sabendo de que em 1918, o ilustre bracarense Dr. Alfredo Machado, então chefe do Gabinete do Ministro da Instrução, Dr. Alfredo de Magalhães, tinha conseguido a cedência do edifício do velho Paço para as instalações da biblioteca, segundo informação do já citado Dr. Egídio, tratou de providenciar para a sua transferência dos Congregados.
Graças ao seu bom relacionamento com o Dr. Antunes Guimarães, então Ministro das Obras Públicas, sugeriu a este para que as instalações da Biblioteca, então já tendo a si anexado o Arquivo Distrital de Braga, viesse enfim a ocupar o antigo Paço de Dom José, muito embora para isso se tivesse de proceder a obras de restauro da parte do edifício em ruínas.
Anuiu o Ministro, através das receitas do Fundo de Desemprego, em desbloquear a verba precisa e, assim, depois de feitas as obras de restauro, a Biblioteca abandona as primitivas instalações na Avenida Central e, em 2 de Dezembro de 1934, foi inaugurada, sob a presença do Ministro Eng. Duarte Pacheco, na Praça do Município, a Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, instituição que é, depois da Torre do Tombo, talvez, o mais importante repositório bibliográfico e arquivista do País, pelo menos na parte da História da Igreja, não só bracarense mas até do País.
Deixemos a Praça do Município e pela rua da Misericórdia vamos em direcção ao Largo do Paço. Aqui logo nos ressalta à vista a elegante fontanário chamado Chafariz dos Castelos, datado de 1723, por representar no seu conjunto ao redor da taça seis castelos e ao centro o sétimo que representa o brasão de fé do Arcebispo que o mandou fazer, Dom Rodrigo – sete castelos – (Mouras) que herdou do seu ramo materno. É encimado pela estátua da Fama, e sobre a sua cabeça, uma esfera armilar, um dos símbolos da Ordem de Cristo à qual o arcebispo pertencia. Ocupa, neste espaçoso largo, o lugar de um que foi mandado fazer por Dom Diogo de Sousa. Julga-se ser uma obra de Marceliano de Araújo.
Mas principiemos pelo lado poente deste espaço, a denominada galeria assente em catorze grossas colunas de granito. Deve-se esta galeria ao arcebispo Dom Agostinho de Jesus (1587/1609), como o comprova o seu brasão (seis arruelas em duas palas – dos Castros) colocado entre quatro portadas com varandas, duas de cada lado. Na legenda latina lê-se a inscrição “D. Agostinho de Jesus, Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas”. Também se pode ver este brasão no varandim voltado para o Largo Dom João Peculiar.
Actualmente o andar criado por D. Agostinho, serve de arquivo onde estão arquivadas muitas das revistas publicadas em Portugal. Dá acesso a esta parte da biblioteca, a Sala Dr. Manuel Monteiro, que encerra todo o seu valioso espólio bibliotecário e bem assim a pintura de Columbano, que representa este ilustre bracarense, político, historiador, ministro e jurista que representou o seu País no Egipto e em Haia.
A fachada oposta é devida a dois arcebispos – Dom Rodrigo de Moura Telles e Dom Manuel de Sousa – e como tal representa dois edifícios distintos. O que está no gaveto formado com a rua do Souto – e que aí principia – é devido ao primeiro, como comprova o seu brasão de fé colocado no frontão sobre a porta de entrada. Era a chamada casa do guarda. O seguinte foi mandado edificar por Dom Manuel de Sousa (1544/1549), para servir de Tribunal da Relação, também tem gravadas as suas armas – escudo esquartelado, tendo no primeiro as quinas; no segundo um braço alado com a espada em punho e no terceiro e quarto um leão (armas dos Sousas).
Funcionou durante muitos anos nesta casa o Tribunal da Primeira Instância Civil. Inicialmente foi destinado aos vários cartórios eclesiásticos, arquivos e ao Tribunal do Juízo Eclesiástico e o da Relação Metropolitana. Tem sobre a porta de entrada uma inscrição epigráfica latina que traduzida, diz:
“Para ilustrar a cidade, e haver um tribunal permanente, onde se administre a justiça e não instável como dantes. Manuel de Sousa, pai e senhor da cidade e grande sacerdote da justiça mandou construir este célebre edifício”.
Aqui esteve até cerca de 1860, o Tribunal Civil, quando a Câmara comprou em hasta pública, o palácio dos Costa Pereira, onde passou a funcionar, no largo Conselheiro Torres e Almeida, não só o tribunal, como o Registo Civil e o Registo Predial.
Entre este corpo – nascente – e o da Galeria – poente – mandou Dom Rodrigo edificar o corpo norte, ligando-os e é hoje pode dizer-se a entrada Nobre do Paço. Sobre a porta e varanda, colocou o seu brasão de fé e na verga da porta foi inscrita a inscrição latina “Ó Domus antiqua quam dispari domino dominaris - ano de 1709”, que traduzindo dá “Ó casa antiga! Quanto é diferente o Senhor que te possue”, frase que foi dita quando Dom Frei Bartolomeu dos Mártires ali chegou e que, modestamente, ainda acrescentou ao recordar-se dos muitos varões ilustres e Santos Prelados que o tinham antecedido: “Como é indigno o que hoje vem ocupar o vosso lugar”, frase latina que é atribuída a Cícero.
Penetrando por esta porta, entramos num espaçoso átrio, onde nas paredes se vêem preciosos azulejos hagiográficos e de tapete, aproveitados os primeiros dos claustros do Convento de Tibães e os segundos da igreja dos Remédios. Um elegante escadaria, com azulejaria nos lambris atribuídos a André Soares, dá acesso ao Salão Nobre do andar superior. Como curiosidade, atribui-se ao desenho das figuras deste lambril, o feitio das “mitras” dos universitários da Universidade do Minho.
No patamar que se segue ao primeiro lanço de escada, vê-se ao alto e no centro, colocado num nicho, uma figura - um turco – tendo nas mãos um archote de várias luzes – semelhante ao do Palácio do Raio - com uma inscrição que, segundo a interpretação livre do falecido padre jesuíta Dr. Diamantino, poderá interpretar-se como : “Por onde vás, infiel, sempre a luz da igreja te alumiará”.
Por esta escada se penetra nas dependências superiores da Biblioteca e Arquivo, onde se encontra o valioso espólio de muitos e muitos cartórios dos vários conventos da região extintos em 1834, a Sala do Arcaz, com uma bela imagem gótica da Mãe de Deus, a Sala dos Manuscritos em pergaminho, como o documento da Confirmação do Couto de Braga, concedido por Dom Afonso Henriques, o Livro das Ruas de Braga, no século XVIII, a dos relativos ao Cartório do Cabido da Sé de Braga, o Registo Paroquial e o das Inquirições.
Não podemos esquecer que ali se encontra o célebre livro “Liber Fidei”, que mereceu do Padre Prof. Dr. Avelino de Jesus Costa, uma extraordinária análise publicada em três tomos e ainda “Rerum Memorabilium”, além de outras preciosidades relacionadas com a história da Igreja e de Braga.
CAPELA DO PAÇO ARQUIEPISCOPAL
Uma obra de Dom Rodrigo que não chegou aos nossos dias, foi a criação no Paço Arquiepiscopal da Capela do Paço, situada entre a parte traseira da Galeria e a que mais tarde, no tempo do seu sucessor Dom José de Bragança, e o paço deste arcebispo, voltada para o Campo de Touros (Praça do Município), e que hoje podemos situar no espaço vasio que se vê da sala de leitura.
Diz Albano Belino, em “Archeologia Christã” que despendeu o Dom Rodrigo com a sua construção dois contos de reis e mais um conto e seiscentos mil reis com a torre e os sinos. Tinha a forma de cruz grega. Quando da sua demolição uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, passou para a capela do Seminário Menor.
Como lembrança desta capela, ainda há bem poucos anos, na indicação das igrejas onde se celebrava, na Quaresma, a devoção do Sagrado Lausperene, se anotava: “no dia… na igreja… pela Capela do Paço”, por então este templo já não existir por ter sido demolido. A mesma coisa acontecia em relação à igreja dos Remédios: “… pela igreja dos Remédios”.
Aproveitando o ensejo, muito embora não tenha a ver com os edifícios do Paço dos Arcebispos, creio que não fica mal a informação de como e quando foi instituída em Braga, a devoção do Sagrado Lausperene.
Segundo Monsenhor Ferreira, nos “Fastos”, ela principiou no tempo de Dom Rodrigo e para melhor esclarecimento, vamos copiar o que o Monsenhor diz:
“LAUSPENE NA QUARESMA.- Uma das instituições piedosas de Braga. e que nesta cidade se tem conservado com mais ou menos brilho, mas sempre com grande e devota concorrência de fiéis, é o Jubileu das Quarenta Horas, vulgarmente chamado “Lausperene”, isto é, louvor contínuo a Cristo Senhor Nosso Sacramentado durante todo o tempo da Quaresma, estando para isso incessantemente exposto, de dia e de noite, o Santíssimo Sacramento, quarenta e oito horas, em cada uma das principais igrejas desta mesma cidade.
Este Lausperene, que começa na Catedral em Quarta feira de Cinzas, e termina na mesma Catedral com a Procissão da Ressurreição no Domingo de Páscoa, foi concedido por Bula de Clemente XI, expedida a instâncias do Arcebispo Moura Telles, em 12 de Outubro de 1709, e inaugurado na Quaresma do ano seguinte, 1710”
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O Paço dos Arcebipos
LUIS COSTA
O P A Ç O D O S A R C E B I S P O S
BIBLIOTECA PÚBLICA E ARQUIVO DISTRITAL DE
BRAGA
O Paço de
Dom Gonçalo Pereira
A obra de
Dom Fernando da Guerra
De
Dom Frei Agostinho de Jesus ( Castro )
E de
Dom Rodrigo de Moura Telles
UBATI – Universidade Bracarense do Autodidacta e da
Terceira Idade
2008
O PAÇO DOS ARCEBISPOS
Vindos da praça Conde de Agrolongo (Campo da Vinha) pela rua Dr. Justino Cruz, deparamos logo à entrada com o tapete-jardim de Santa Bárbara, que ladeia a rua Eça de Queiroz. Situado êste belo recanto da cidade, em parte da antiga cerca do Paço dos Arcebispos, tem emoldurado a vista do antigo Paço dos Arcebispos.
A primeira e mais antiga construção que se nos depara é uma mole de pedra, quadrangular e ameada que é o antigo Paço Medieval do Arcebispo Dom Gonçalo Pereira que governou a arquidiocese bracarense entre os anos de l235 a 1358. Nesta torre vêem-se por entre pedras sigladas, medievais, algumas almofadas o que nos prova que na sua construção foi utilizado material romano de qualquer construção que por ali teria existido. Dom Gonçalo era avô do Condestável Dom Nuno. Segundo o Dr. Alberto Feio, este grande arcebispo de Braga, cujo magnífico túmulo em pedra de Ançã, se encontra na Sé de Braga, na capela de Nossa Senhora da Glória que ele instituiu, no lugar de umas casas que comprou, em 20 de Março de 1532, vulgarmente chamadas Casas do Concelho para sua morada eterna, não foi, como afirma a tradição, um combatente do Salado. O antigo director da Biblioteca de Braga, em artigos publicados no Diário do Minho, em Fevereiro de 1956, afirma que é uma tradição absurda e diz :
“D. Gonçalo Pereira foi uma nobre e valorosa figura de Prelado, não precisando a sua memória, para ser glorificada, mais que ter sido ele o primeiro que exprimiu sentido da nacionalidade portuguesa”
“Não teve ocasião de vestir cota de armas, mas teria sido capaz de valentias, se o destino a isso o conduzisse, como conduziu seus heróicos descendentes D. Álvaro Gonçalves e D. Nuno Álvares.”
Segundo todas as probabilidades e confirmando a indicação de as casas compradas pelo arcebispo – Casas do Concelho – a torre ameada que se encontra ao lado da Capela da Glória, devia ter sido uma antiga Câmara de Braga ou, pelo menos, Câmara Eclesiástica. No seu espaço superior, Alberto Feio, encontrou, cobertos de pó milenário, vários livros e pergaminhos relacionados com a história da igreja.
É interessante notar que ao tempo de Dom Gonçalo Pereira, principiou um pleito entre o Arcebispo e o Prior Estêvão Dade e os Cónegos de Guimarães, sobre os seus direitos de visita à Igreja Matriz de Guimarães.
Dom Gonçalo, homem enérgico, diz Monsenhor Ferreira nos “Fastos”, anunciou a visita à Colegiada de Guimarães, porém quando lá chegou, encontrou as portas da Igreja Matriz fechadas, e o Prior ausente. Não se preocupou, Dom Gonçalo com o caso e fez a visita à força. Como vemos as rivalidades entre Braga e Guimarães, são já velhas e revelhas.
Na parte mais antiga, voltada para a rua Eça de Queiroz, encimando uma porta, nota-se, gravadas na pedra as armas de Dom Gonçalo Pereira, armas apócrifas pois foram ali colocadas aquando das comemorações do triplo centenário (1140, 1640, 1940). Segundo as notícias dos “Fastos”, do já mencionado Monsenhor Ferreira, estas são as primeiras armas que ali são referidas pelo que, julgo, ser a partir deste arcebispo se passaram a usar “brasão de armas”.
Ao tempo do arcebispo Dom Fernando da Guerra (1416/1467), foi o Paço aumentado com o aumento, junto à primitiva torre, de uma outra. Nota-se perfeitamente esse aumento por uma linha de encontro entre as duas.
A Dom Fernando da Guerra se deve a construção da ala que une estas torres com o edifício do Paço de Dom José, voltado para a Praça do Município e a ala voltada para o do Largo do Paço. Aqui está o chamado Salão Medieval, ocupado no seu piso superior pelo Arquivo e nos baixos, o Salão onde se processam os Actos Solenes da Universidade do Minho.
Seguindo-se a esta parte do Paço, vamos encontrar, voltada para a Praça do Município, o belo Paço mandado construir pelo arcebispo-príncipe D. José de Bragança que, em Braga quis criar uma corte, já que a sua condição de príncipe real não se coadunava, com um simples paço arcebispal. Obra de grande vulto, onde sobressai toda a magnificência e deslumbramento do barroco, nos desenhos das suas pedras lavradas, nos remates das padieiras, nas volutas da entrada principal, nas suas janelas, na grandiosidade da sua entrada principal e até nos dois brasões colocados nos ângulos que formam a reentrância deste entrada.
Assim confiou, ou pelo menos é convicção dos investigadores, ao arquitecto amador André Soares, que se esmerou no desenho da fachada principal, dando-lhe o seu cunho pessoal – soaresco - com resquícios de estilo ró-có-có, ou “rocaille”, especialmente nos capiteis que encimam as pilastras e nos dois brasões, que adornam os cantos avançados dos corpos laterais. “Todo o edifício, voltada ao poente é digno de uma pausa para o apreciar, onde digna é uma visita ao seu interior onde não se sabe se mais é admirar a sua sala de leitura, onde um tecto, sabiamente aproveitado – veio do Seminário Conciliar de Santiago, graças à acção do Dr. Alberto Feio – se os seus interiores onde se guarda um valioso espólio bibliográfico, manuscritos valiosíssimos, verdadeiro pedaço bem grande da história de Portugal e da Igreja Bracarense.”
Parte do Paço de Dom José encontrava-se em ruínas desde o pavoroso incêndio que na noite de 15 de Abril de 1866, o reduziu a cinzas. Vamos transcrever, uma parte do artigo “Morte e Ressurreição de um Palácio”, que o falecido Dr. Egídio Guimarães, publicou na revista “BRACARA AUGUSTA”, em 1983, e extraído de uma folha manuscrita que encontrou numa das suas consultas ao arquivo da Biblioteca:
“Horroroso incêndio em parte do Paço Arquiepiscopal de Braga. Pelas duas horas da madrugada do dia 15 de Abril de 1866, principiou a tocar a fogo por dous sinos da Sé – em seguida em todas as Torres da cidade. – O Fogo tinha-se manifestado na parte do Paço Archiepiscopal chamado de D. José do lado do Campo dos Touros que era a milhor e mandada edificar pelo Sr. Arcebispo D. José de Bragança, a que em parte para o lado da capela estava ocupada com a preciosíssima Biblioteca da Mitra a qual além das muitíssimas riquezas de raridades Bibliográficas como o “Dorando” em pergaminho iluminado e outras, - ali se encontrava a completa Colecção das Obras do (sic) Santos Padres, encadernados por igual em Velludo e prata – tudo ardeu - tudo o mais estava ocupado com as repartições publicas do Governo Civil – Repartição de Fazenda do Distrito e Delegacia do Thesouro – Cofre Central do Distrito – Recebedoria da Comarca – Repartição de Fazenda do concelho – Archivo dos Resíduos – e Estação Telegráfica ou no corredor próximo – ( e diz-se que lansado) – tudo foi presa das Chamas à excepção do Archivo da Repartição de Fazenda Distrital e da Recebedoria da Comarca –o que fora salvo com o maior denodo e coraje com o maior risco de vidas de Miguel de Araújo – José Lourenço dos Santos – José da Rocha Vieira e outros. Levados pelo vento e fumo, forão levados papeis a cinco kilómetros de distância….”
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Segunda-feira, 3 de Novembro de 2008
Expostos 2
Expostos 2 – continuação Como dissemos a Câmara, não tendo possibilidades para as necessárias obras de remodelação da casa dos expostos do Campo de Touros, e para obter alguma comparticipação nos encargos com as instalações alugadas e também conseguir alguns proventos para ajuda da sustentação dos expostos resolveu vender o antigo albergue. A isso se opôs o arcebispo alegando que o prédio pertencia ao arcebispado. Valeu à Câmara o registo da troca e escambo inserida no livro de Tombos com a afirmação confirmada por Dom José de Bragança, arcebispo.
Sem mais entraves procedeu-se à venda do prédio que, segundo nos parece, é onde hoje está instalada a farmácia Coelho.
O REGISTO DOS EXPOSTOS
Quando uma criança era lançada na roda, a rodeira, pessoa encarregada de ter à sua conta o cargo da roda, assim chamado o recipiente onde se colocavam os expostos – cilindro aberto por metade de um lado e fechado pela outra metade – tinha ao seu lado um sino ou campana que servia para chamar a atenção que o sítio tinha lá freguês. A rodeira, logo que o recolhia tinha de ter o cuidado de ver qual a marca que a criança trazia – por exemplo uma tesourada no cabelo junto à testa ou orelha, uma medalha, com a figura de um santo ou qualquer outro símbolo, uma fralda de determinada cor – isto é, qualquer coisa que a pudesse vir a identificar, no caso de mais tarde vir a ser reclamado.
Num livro próprio, era anotada essa marca e bem assim a data em que foi encontrado na roda. Por vezes, um bilhete anónimo colocado na sua roupa informava que o exposto já tinha sido baptizado e indicando também o nome de baptismo. Outras missivas pediam para o baptizarem indicando um nome que deveria ser-lhe posto. Muitas e muitas vezes, apenas traziam a marca e mais nada.
Cabia ao vereador dos expostos – sempre havia um com este cargo - de resolver os problemas e anotar no respectivo livro os elementos que serviriam mais tarde para os identificar para entrega a quem, de direito, os reclamasse. Convém anotar que muitas vezes a entrega à Casa da Roda de um exposto, era motivada pela falta de condições das mães pelo seu sustento e tratamento e não por simples abandono. As crianças eram mantidas sob a administração da instituição até aos sete anos, idade em que eram reclamadas pelos seus familiares, quando estes apareciam, ou passavam para outras instituições, onde houvesse vaga. A Câmara só era responsável até aos sete anos, partindo do princípio, errado, de que um ente com sete anos já se podia defender !...
O Director da Casa, entregava sempre que possível, os expostos a amas criadeiras, pagando a cada uma, isto em 1876, a importância de 260 reis diários, como salário, para o seu sustento e criação dos expostos. Se é certo que algumas os acarinhavam como seus filhos, outras havia que apenas serviam para os explorar, dedicando-os à mendicidade. O vereador constantemente procedia, podemos dizer a um inquérito, convocando as amas e as crianças para evitar abusos.
Tinham os expostos um certo apoio médico e até, quando o médico do partido achava necessário, iam a tratamento termal e até a banhos de mar. Curiosa era a maneira, pelo menos no que diz respeito a banhos de mar, como se processava essa ida a banhos. O médico indicava o número de mergulhos no mar e o vereador passava a guia dirigida à autoridade do local onde se iria fazer o tratamento. Por umas actas da Câmara de Braga, de meados do século dezanove sabemos como se processava esse tratamento.
Depois de ser atestado pelo médico a necessidade de banhos de mar de um determinado exposto, foi escolhida a praia da Póvoa de Varzim. Passada a autorização, foi então passada uma guia na qual estava mencionado o nome do órfão ou exposto e bem assim o nome da ama. Esta recebeu a quantia necessária para a deslocação e tendo como obrigação de, chegada à Póvoa, se apresentar ao Administrador do Concelho para, no registo poveiro, ser anotado o número de banhos prescrito pelo facultativo. Findo o tratamento a ama voltaria à presença do Administrador do Concelho para este passar atestado em como, o menor, tinha cumprido a prescrição médica, isto é, tinha dado o número de “cachafundas” medicadas, atestado que serviria para apresentar ao respectivo vereador, em Braga, provando que se tinha cumprido com a receita médica e assim poder, a ama, receber o estipêndio acordado.
Este foi, talvez, uma maneira, prática e cómoda, de uma ama passar umas férias e provar as salsas águas do mar da Póvoa!...
Alguns dos recolhidos na Casa da Roda, apesar do seu triste início de vida, vieram mais tarde a ser a compensados pelo seu trabalho e até pela sorte. De alguns temos exemplos extraordinários, apesar o estigma que os apontava como Expostos no seu nome. Aqui bem perto de Braga, um dos grandes empresários tinha no final do seu nome o de Exposto, por certo por não ter ido reconhecimento.
Um outro, recolhido no final do século dezanove, chegou a ser um capitalista e, no final da sua vida, considerado um benemérito e homenageado com todo o direito. Recolhido na Roda de Braga, foi aos sete anos entregue a um dos principais comerciantes desta cidade e que quando o viu completar catorze anos o encaminhou para o Brasil, onde pela sua honradez e trabalho, angariou uma considerável fortuna. De regresso a Portugal, trouxe consigo o mal daqueles tórridos e húmidos climas do Amazonas, o reumatismo.
Procurando remédio em quase todas as termas nacionais e experimentando todos os remédios aconselhados, nunca surtiu melhoras até, alguém o aconselhou os banhos quentes, da Póvoa do Mar. Assim procurou a Póvoa, onde talvez tivesse tido a dita de, em miúdo, por lá passar. Foi remédio santo. As melhoras se foram acentuando de tal maneira que naquela praia fixou residência e por lá acabou os seus dias. Foi um grande benemérito da Póvoa que em agradecimento atribuiu o seu nome – Santos Minho - a um arruado poveiro e lhe construiu um mausoléu no Cemitério da Giesteira. O seu nome da baptismo era o de João Santos, mas adoptou o de Minho, província que o viu nascer.
Notável foi a sua acção perante a Câmara de Braga. No seu testamento deixou à edilidade bracarense, o importante donativo de duzentos mil reis, afirmando que julgava seria, talvez, essa quantia que tinha sido dispendida pela Câmara, com o seu internamento na Casa da Roda.
Braga, 2 de Novembro de 2008
LUIS COSTA
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Os expostos
LUIS COSTA
O S E X P O S T O S
AS CASAS DA RODA DE BRAGA
No Campo de Touros em parte do que foi depois o
Edifício do Paço de Dom José
(Arquivo Distrital de Braga)
Ainda no Campo de Touros, por perto do que foi
Edifício dos Órfãos de São Caetano
Finalmente na rua de São João do Souto no
Casa dos Paiva Marinho
UBATI –Universidade Bracarense do Autodidacta e da
Terceira Idade
2008
AS CASAS DA RODA DE BRAGA
ORFÃOS E EXPOSTOS
Por certo para grande parte dos bracarenses, ao falarmos da Casa da Roda, todos aliam a sua localização no edifício da rua de São João do Souto e com razão, pois não há nem poderia existir alguém na cidade que se possa lembrar doutro local onde se recolhiam essas crianças, exposta ou órfãs. O actual edifício que foi o último a receber esses quase, senão mesmo muitas vezes, desprezados da sociedade quem os gerou.
Mas vamos por hoje recuar uns centos de anos, e até milénios. Podemos pensar que o abandono de entes, quase que logo à nascença, é uma coisa que vem de muito longe. Uns para encobrir maternidade ou paternidade; outros, eram entregues incógnitos, que por dificuldades financeiras, não podiam dar a assistência aos seus filhos, alimentar e medicamentosa e, ainda por outras razões como a das perseguições religiosas. Recordemos aqui Moisés, colocado numa balsa ou cesto, por sua mãe, uma mulher da tribo de Levi, o lançou, vogando rio Nilo abaixo para assim ser salvo da morte que havia sido decretada por um faraó egípcio, ordenando que todas as crianças do sexo masculino judias seriam assassinadas, tendo vindo a ser sido recolhido pela filha do rei.
Talvez, em Portugal, o caso de abandono ou entregue de recém nascidos a outros, amas (mães adoptivas), abandonados ou entregues a instituições se tenha acentuado, a partir do século XIV, quando o “o cheiro da pimenta e da canela” fez com que “se despovoasse o reino” , com o embarque para as conquistas de muitos jovens que deixavam à míngua as suas mulheres e filhos.
Parece e mesmo segundo a tradição,”vox populi, vox Dei”, uma das primeiras pessoas que sentiu esse descalabro foi logo no princípio do século XVI, o arcebispo bracarense Dom Diogo de Sousa que tentou, em Braga, dar algum remédio a este problema fazendo um, podemos dizer, ensaio, recolhendo uns expostos na conhecida casa do Passadiço. No entanto é uma afirmação, não documentada e, portanto, de crédito duvidoso.
A ser verdade seria talvez este o primeiro albergue para expostos em Braga. Mas de certeza temos o da instalação da Casa dos Expostos no Campo de Touros (Praça Municipal). O seu local era onde hoje está o Paço de Dom José, Arcebispo de Braga, onde agora se encontra instalado o Arquivo Distrital e Biblioteca Pública de Braga, na parte voltada para o referido campo e do lado antiga capela de Santo António da Praça.
Mas façamos um pouco de história. Dom José de Bragança, ao chegar a Braga, quis como Príncipe Real, estabelecer na sua cidade uma corte, já que assim vinha habituado desde Lisboa, achando que não se coadunava com a sua categoria real o paço dos antigos arcebispos.
Como existia nesse lado nascente do Campo de Touros um albergue Casa dos Expostos, entrave aos seus projectos de fazer um palácio grandioso nesse local, airoso e desafogado, tratou com a Câmara, que iria também situá-la no Campo de Touros, ou do Arcebispo, nome este que vinha do tempo de Dom Agostinho de Jesus, de o desafectar do domínio camarário por troca ou escambo, conforme consta do livro de Tombos da Câmara do período de 1750, com uma casa, nesse campo edificada, e pertença do arcebispado junto ao que, onde mais tarde, foi a primeira séde do Colégio dos Órfãos.
Ora, portanto, à face de documentos é esta Casa de Expostos, no local da Biblioteca, considerada a primeira casa de Expostos, ou a Chamada Casa da Roda de Braga.
Resolvido o desiderato, a Casa de Expostos e Órfãos, passou a ocupar um prédio no lado norte do campo de Touros, como dissemos, entre o edifício que mais tarde foi a primeira séde do Colégio dos Órfãos de São Caetano e a casa Costas Pereira. Aqui se manteve durante perto de 150 anos até que o adiantado estado de degradação e higiene aconselhava a obras dispendiosas. Vendo, a direcção, sob a direcção do Presidente da Câmara, Dr. Jerónimo da Cunha Pimentel que muito convinha obter um edifício próprio, com mais comodidades e onde se estabelecesse definitivamente o hospício, propôs à Junta Geral do Distrito que votasse a quantia de 1:800$000 reis, para a compra de uma casa condigna destinada a tal fim não tendo a Junta anuído ao pedido
Gorada esta solução, a Câmara, cujo responsabilidade pela administração dos Expostos e casa era da sua competência, viu que não tinha disponibilidades financeiras para se lançar no empreendimento. E assim depois de muitos considerandos, consultas e exposições, resolveu, estava-se quase no último quarteirão século dezanove, alugar pela fabulosa quantia de cem mil reis anuais, a casa dos Paivas, ou da rua de São João, gaveto com a antiga rua das Oussias (Rua de Nossa Senhora do Leite) e que hoje conhecemos por Casa da Roda. Passou esta a ser, portanto, a segunda e última Casa dos Órfãos e Expostos de Braga – vulgo Casa da Roda.
E assim desde finais do século XIX e até cerca de 1930, serviu esta casa para albergar os expostos e órfãos não só de Braga, como de concelhos limítrofes – a princípio vinham caír a Braga expostos de Amares, Terras do Bouro, Aboim da Nóbrega, Larim e outro concelhos, alguns depois extintos pela reforma de 1850.
Esses de fora do concelho de Braga, eram aqui alojados mas as despesas eram cobertas pelas respectivas Câmaras as quais pertenciam mas muitas vezes os atrasos eram notórios e a Câmara de Braga, via-se na necessidade de intimar o pagamento dos débitos.
Cerca de 1930, acabaram as Casas de Expostos, em Portugal. Um decreto emanado pelo Governo, extingui-as. Em Braga era já muito reduzido o número de expostos mas havia necessidade de lhes dar uma saída. Primeiro foi tentada a sua colocação na Santa Casa da Misericórdia, que tinha recebido um importante legado para os expostos, mas isso se opôs a direcção, os médicos e enfermeiros pois achavam que não estava nas suas atribuições tratar de expostos mas sim de doentes e mesmo era um perigo levar crianças sadias para um hospital.
Depois foi tentada com êxito a colocação desses miúdos na Creche de Braga, onde foram recebidos e por lá terminaram a sua estadia até aos sete anos, idade em que foram entregues às famílias que os reconheciam, ou passaram a outras instituições como, mais tarde, o Colégio dos Órfãos.
Pelas gravuras que acompanham esta crónica poder-se-à localizar as casas que em Braga prestaram assistência a expostos.
A gravura nº 1, mostra-nos a Casa do Passadiço, (século XVI), mandada construir pelo Deão do Cabido da Sé, D. João da Guarda, casa ou local onde possivelmente serviu para Dom Diogo de Sousa albergar uns expostos.
A gravura nº2, revela um aspecto do Campo de Touros, com o edifício da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, ocupando o local onde esteve a Casa dos Expostos.
A gravura nº 3, mostra outro aspecto do Campo de Touros com o edifício dos Órfãos de São Caetano, a casa dos Expostos e a Casa Costas Pereira.
Nº 4, vê-se a Casa dos Paivas, ou agora conhecida por Casa da Roda.
Nº5, aspecto da Casa da Roda, antes da recuperação .
Nota: As gravuras 1 e 4, são extraídas do livro “As ruas de Braga”, 1750. As Nºs 2 e 3, são desenhos de João Vieira Gomes, o Dr. Chasco, 1834. . . / . . .